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A difícil mudança de pensamento

 
O heliocentrismo de Copérnico (pintura de Jean-Leon Huens)

Em 1964, Gene Roddenberry criou “Star Trek” (Jornada nas Estrelas), com o intuito de inovar na televisão, mostrando seriedade, temas atuais e muita aventura em uma série de ficção científica centrada nas viagens de uma nave espacial. O primeiro piloto, “The Cage”, foi rejeitado pela rede NBC, motivo? Por ser considerado inteligente demais para a TV e ter uma mulher ocupando a posição de primeiro oficial (Imediato), inconcebível na época.  Por incrível que pareça o episódio trata justamente de controle da mente e a luta para se libertar de tal controle. Assim a USS Enterprise sob o comando do Capitão Cristopher Pike, recebe um sinal de socorro vindo do quarto planeta do sistema Talos. Um grupo de desembarque é formado e transportado para a superfície para investigar. Seguindo o sinal até sua fonte, o grupo encontra um campo de sobreviventes de uma expedição científica que estavam desaparecidos havia 18 anos. Entre os sobreviventes está uma bela e jovem mulher chamada Vina. Cativado pela beleza dela, Pike fica de guarda baixa e é capturado pelos talosianos, uma espécie humanóide que vive abaixo da superfície. É revelado que o sinal de socorro, e os sobreviventes com a exceção de Vina, eram apenas ilusões criadas pelos talosianos para atrair a Enterprise até o planeta. Enquanto estava aprisionado, o Capitão Pike descobre o plano dos talosianos para repopular seu planeta devastado usando ele e Vina como semente geradora para uma espécie de escravos. Os talosianos tentam usar seus poderes de ilusão para fazer Pike se interessar por Vina, apresentando-a com vários disfarces e cenários, primeiro como uma princesa de Rigel, depois como uma adorável garota do campo e então uma belíssima escrava Orion. Pike resiste a todas as formas, então os talosianos atraem a Primeira Oficial e Ordenança da Enterprise para ele poder "escolher". Nesse momento, ele descobre que emoções humanas primitivas podem neutralizar a habilidade dos talosianos de ler mentes, usando isso e os fasers trazidos por suas oficiais, consegue escapar para a superfície com as mulheres. Os talosianos confrontam Pike e suas companheiras antes deles serem transportados para a nave, porém o capitão se recusa a negociar, ameaçando matar todos, incluindo ele mesmo, ao invés de atender aos pedidos dos talosianos. Com medo de perder sua única esperança de um futuro, os talosianos analizam os dados da Enterprise e percebem que a espécie humana é muito "violenta" para eles. Sem nenhuma outra opção, os talosianos deixam os humanos partirem. Os outros voltam para a Enterprise, porém Pike permanece com Vina, pedindo para que ela vá com ele, com ela afirmando que não pode deixar o planeta. É revelado que uma nave realmente caiu em Talos IV, e Vina foi a única sobrevivente. Porém ela estava muito ferida, e os talosianos não tinham nenhuma base na época da estética humana, eles conseguiram salvá-la, mas ela ficou completamente desfigurada. Com a ajuda das ilusões dos talosianos, ela consegue parecer bonita e com saúde plena. Percebendo que a ilusão de saúde e beleza é necessária para Vina, Pike está pronto para retornar a Enterprise, porém em um ato de boa vontade, os talosianos criam uma ilusão dele para Vina.
Apesar do cancelamento a NBC viu potencial na série então encomendou um novo piloto fazendo algumas exigências é claro, tais como: Nada de mulher como Imediato, mais ação e humor. Uma das coisas que mais me intriga é como seu autor, um homem que conhecia bem as piores facetas da humanidade, tendo sido ex-piloto de aviões militar/civil e ex-policial, montou um universo tão otimista sobre o futuro da humanidade? Creio que a resposta esteja nas raras exceções de seres humanos que nascem para nadar contra a correnteza. O fato é que mesmo em plena guerra fria, um elenco multiétnico em uma época conturbada pela segregação racial nos Estados Unidos este ser humano pensou em um futuro, até então utópico, com todos reunidos em prol do bem comum. Assim Roddenberry, mesmo tendo que aceitar algumas mudanças, afinal a NBC queria um elenco principal de homens brancos, se viu obrigado a colocar no posto de Imediato o Sr. Spock, porém, conseguiu o feito inédito de manter uma mulher negra em um elenco principal, nascia assim a Tenente Uhura interpretada por Nichelle Nichols (Como seu papel era pequeno, Nichelle Nichols, pensava seriamente em deixar a série. Quem a convenceu de ficar foi simplesmente Martin Luther King, dizendo que ela era um símbolo e um modelo a ser seguido por todas as jovens negras norte-americanas. Fato este comprovado por Whoopi Goldberg que afirmou dever sua carreira a uma única coisa. Ter visto na televisão uma jovem negra, bonita, inteligente e segura de si, tratando os brancos de igual para igual).
A pergunta que faço é: O que precisamos vencer para atingirmos um sonho pelo menos próximos ao da série e romper um possível controle mental?
Infelizmente, segundo Salvatore D’Onofrio, o homem ainda não conseguiu se libertar do instinto da dependência mental. Como formigas ou abelhas, o ser humano, com exceção dos grandes gênios da filosofia, das ciências e das artes, se deixa levar por automatismos psíquicos, repetindo hábitos atávicos e seguindo doutrinas de ídolos ou líderes, religiosos ou laicos. O povo tem preguiça de pensar, achando mais cômodo seguir normas éticas ditadas por profetas supostamente iluminados por alguma divindade, relegando a busca da felicidade e da justiça social num outro mundo, que ninguém sabe onde fica. Transcrevo um trecho do romance Aparição, do escritor português Vergílio Ferreira, onde um personagem se recusa a falar sobre política e religião:
“Eu sou religioso, acredito em Deus, em Cristo, no papa, no dogma, em tudo o que me ensinaram. Mesmo não tenho tempo para pensar mais no assunto. Tenho um Deus para me tomar conta da vida e da morte. Fico com o tempo livre para tomar eu conta dos doentes”.
Eis a confissão do espírito gregário: a aceitação passiva dos padrões religiosos e morais conforme uma herança familiar e uma cultura milenar, sem se perguntar se correspondem à lógica do pensamento ou à verdade histórica. Não é sem motivo que o homem religioso é chamado de “fiel”, aquele que não muda que acredita piamente no que está escrito em livros considerados sagrados ou nas palavras de prepostos divinos (padres, pastores, rabinos, aiatolás). O pior é que a mesma indolência de refletir se verifica também no plano político. Acreditamos nas promessas de líderes de partidos e depositamos neles nossos votos, sem fiscalizar o que fazem com o dinheiro de nossos impostos. Nas recentes eleições municipais, quase todos os prefeitos no poder se reelegeram. Sua recondução se deve às virtudes da honestidade e competência ou ao uso da máquina do Estado? Seria tão fácil construir uma cidadania de verdade, se o homem parasse para pensar. Bastaria não reeleger ninguém para evitar o político profissional e a formação de redutos eleitorais. A renovação dos quadros políticos evitaria o surgimento de lideranças e desestimularia a ganância de aventureiros. Afinal, só uma manada de ovelhas precisa de um “pastor”!
O fato é que o cancelamento do episódio piloto de Jornada nas Estrelas revela claramente como o pessoal da NBC e outros temem a dissimilação do raciocínio. Explicaria também a necessidade do investimento em futilidades ocasionando a criação de uma “realidade” distorcida objetivando esconder os fatos da maioria, impossibilitando assim um pensamento individual e independente. Felizmente a história mostra que vez por outra aparecem pessoas na contra mão do “pensamento dominante”. Na obra de Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas ele nos mostra que a ciência é o produto de uma época, de seus valores e de suas capacidades interpretativas. Tal fato levou Kuhn à conclusão de que não há propriamente uma "verdade científica" na medida em que toda "objetividade" é vista a partir dos valores internos à cultura e à época na qual a comunidade científica está inserida. Toda visão de mundo é construída dentro dessa perspectiva. Kuhn chama de “paradigma” esse conjunto de valores que, em uma dada época, constituem a visão de mundo de uma determinada comunidade regendo, a partir daí, suas práticas científicas.
A difícil tarefa de se quebrar um paradigma é um fato: Paradigma é um princípio orientador e estruturador de um sistema teórico; de valor existencial. É um pressuposto filosófico; uma teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma referência inicial como base de modelo para estudos e pesquisas.
Retirando a terra do centro do universo: Sim o nosso planeta já foi o centro do universo segundo Aristóteles que, infelizmente, graças à colaboração da igreja católica permaneceu por 10 séculos nessa posição. Acredito que a igreja sabia que o geocentrismo estava incorreto, porém, o interesse político-econômico falou mais alto afinal, o próprio Nicolau Copérnico pertencia à ela. Então o modelo Geocêntrico foi indevidamente apropriado pela Igreja Católica, pois convenientemente ligava a ideia de que se Terra representa o cento do Universo, logicamente a igreja estava no centro da Terra. Cometeu-se ali um o terrível erro de transformar uma teoria cientifica em um dogma (dogma é o ponto específico de uma religião ou filosofia, geralmente é um fato certo e indiscutível), logo a “santa Igreja” considerava herege qualquer um que criticasse o modelo Geocêntrico. Giordano Bruno foi torrado na fogueira pela “santa inquisição” por discordar de tal “dogma” ao defender o modelo Heliocêntrico. O Matemático Nicolau Copérnico quase teve o mesmo fim, mas conseguiu convencer os membros da Inquisição com os seus cálculos escapando da Fogueira. A prova final do modelo heliocêntrico coube a Galileu e Kepler. Estava assim então retirada do “centro do universo” não só a terra, mas também o homem e a igreja. Sim a ideia defendida por Copérnico, Galileu e Kepler foi um duro golpe no pensamento arraigado aos “valores tradicionais” da época e demonstra como é difícil acordar alguém de um sonho confortável. Em outras palavras o movimento que vai do teocentrismo ao antropocentrismo se dá através de um tipo de "descentralização" do próprio homem deixando a vista uma realidade bem diferente da imaginada pelos mais orgulhosos, tal fato é descrito com certo tom de zombaria por Sigmund Freud no texto a seguir:
"No decurso do tempo, a humanidade teve de aguentar, das mãos da ciência, duas grandes ofensas a seu ingênuo amor-próprio. A primeira foi quando percebeu que a terra não era o centro do universo, mas apenas um pontinho num sistema de magnitude dificilmente compreensível... A segunda quando a pesquisa biológica roubou-lhe o privilégio de ter sido criado especialmente, e relegou o homem a descendente do mundo animal."
Atualmente estamos no limiar das mudanças, tentamos entender a mecânica quântica e esse Universo que insiste em guardar seus segredos. A Ciência chega a conclusão de que cada vez mais se exige a pluralidade de pensamento na aceitação, refutação e ou descentralização para colocar a prova teorias vigentes (ou “dogmas”?), afinal o heliocentrismo também não estava correto, e quem sabe por fim fazer a humanidade despertar para a importância de se ter múltiplas ideias que após uma certa análise possa nos libertar das ilusões mentais impostos pelos mais variados interesses, semelhantes aos da igreja na idade média ou dos talosianos com o Capitão Pike.
Fontes:

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