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Ganância + corrupçaõ = decadência


 
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” (Ruy Barbosa).
Texto de Paulo Robert de Almeida (até o item 10): 
Proponho-me, neste curto ensaio analítico, traçar os elementos principais de uma pequena radiografia da decadência, de maneira a subsidiar, talvez, diagnósticos mais precisos de situações concretas que possam preocupar os leitores eventuais deste “manual” de identificação dos sinais precursores de uma decadência anunciada (não necessariamente percebida). Assim, pode-se saber que um país, ou uma sociedade, está em decadência quando:
1 - O sentimento de mal-estar se torna generalizado na sociedade, ainda que possa ser difuso:
O mal-estar que costuma atingir sociedades e povos em decadência efetiva é mais um resultado dos próprios processos de “involução” já em curso, do que um sinal precursor desse itinerário “regressista”. De fato, o sentimento de incerteza quanto ao futuro costuma perpassar de maneira difusa os diferentes estratos sociais mobilizados nas atividades correntes da sociedade em questão. A literatura consegue captar, antes mesmo de diagnósticos “sociológicos”, essa sensação de desconforto em relação aos padrões vigentes, que é também vista e interpretada nas artes em geral, por meio de peças e demonstrações de “ruptura” em relação às normas sociais comumente aceitas e “consumidas” pelos estratos sociais incluídos nas transações correntes. O sentimento de fin d’une époque, ou de esgotamento de um “ciclo”, é geralmente percebido pelos espíritos mais argutos, mas o desconforto com o “estado reinante” das coisas se dissemina de modo generalizado em camadas mais amplas da sociedade. Ocorre uma desafeição em relação à cultura predominante, mas não se consegue propor ou viabilizar padrões ou modelos alternativos que sejam eficientes ou implementáveis. Os custos da transição para “algo mais racional” são considerados por todos como muito elevados, em vista dos pactos vigentes, e a sociedade se acomoda na resignação e no déjà vu.
2 - Os avanços econômicos são lentos, ou menores, em relação a outros povos e sociedades:
Avanços econômicos lentos, em perspectiva comparada.  A decadência não significa, necessariamente, retrocesso econômico absoluto ou mesmo uma deterioração das condições prevalecentes no plano da organização social da produção. Ao contrário, podem até ocorrer avanços tecnológicos, progressos científicos e melhoras nos padrões vigentes de produção, tendo em vista capacidades técnicas e habilidades gerenciais já acumuladas pela sociedade. Uma sociedade pode avançar, em suas próprias realizações, e mesmo assim ser ultrapassada relativamente por outras, mais dinâmicas, empreendedoras e inovadoras. O declínio relativo é geralmente o resultado de uma queda nos índices de produtividade, a perda progressiva de competitividade, um recuo nos espaços anteriormente ocupados no âmbito internacional e um lento movimento para escalões inferiores em rankings setoriais de classificação de países. Os processos de divergência entre os povos e sociedades resultam, geralmente, de longas fases de crescimento (ou falta de), mais do que de altas taxas ocasionais de expansão do produto. O desenvolvimento pode ocorrer pari-passu a baixas taxas mas sustentadas de crescimento econômico, sendo que expansões rápidas podem ser contrarrestadas por surtos inflacionários ou crises sistêmicas que produzem perdas do produto social e erosão do poder de compra da moeda nacional. O elemento propulsor do processo de desenvolvimento são os ganhos de produtividade, que produzem, no registro histórico, os fenômenos de convergência ou de divergência entre os povos e economias nacionais. As sociedades humanas progrediram muito lentamente durante os milhares de anos de revolução agrícola neolítica e civilizacional-urbana, para conhecer, dois séculos e meio de rápidos progressos nos indicadores de bem-estar a partir da primeira e da segunda revolução industrial. A partir desta, os progressos se tornaram contínuos, autogerados e induzidos pelo próprio avanço científico-tecnológico anterior, configurando aquilo que, em termos marxistas, poderia ser chamado de “modo inventivo de produção”. Este foi, antes de qualquer outra, uma peculiaridade das sociedades ditas “ocidentais”, mas tende a se disseminar ao conjunto do planeta, com o término dos obstáculos políticos ao processo de globalização. Nem todas as sociedades conseguem replicar ou reproduzir, mesmo por mimetismo, o padrão de progresso tecnológico do Ocidente desenvolvido. Mas todas elas se encontram, hoje, medianamente dotadas de condições mínimas para fazê-lo, a partir dos progressos dos meios de comunicação e de difusão dos conhecimentos científicos (amplamente disponíveis nos veículos existentes, à diferença do know-how e da tecnologia proprietária, estes bem mais restritos). O fato de uma sociedade recuar economicamente, ainda que de modo relativo, pode ser explicado, tão simplesmente, por sua incapacidade em dotar os seus cidadãos dos requisitos mínimos de ensino formal e de educação elementar, suscetíveis de os converterem em “absorvedores” do saber técnico já disponível universalmente nos canais abertos de difusão de conhecimento. Não se trata aqui, necessariamente, de padrões de ensino pós-graduado ou especializado, mas basicamente da existência de ensino fundamental de boa qualidade para o conjunto dos cidadãos.
3 - Os progressos sociais são igualmente lentos ou repartidos de maneira desigual:
 Distribuição desigual dos lentos progressos sociais alcançados.  Comportamentos “rentistas”, isto é apropriação de bens públicos por grupos organizados que têm acesso aos canais oficiais de distribuição de recursos, geram um desestímulo à inovação e à produção pelos agentes econômicos privados. Isso pode ocorrer e geralmente ocorre no caso da disponibilidade de abundantes recursos naturais : terras, minérios, commodities primárias que passam a ser explorados por via de algum tipo de organização estatal, mesmo indireta. Fala-se da “maldição do petróleo”, por exemplo, como um caso típico de ganhos fáceis apropriados de maneira desigual por elites que se organizam para “redistribuir” esses recursos abundantes, o que desvia a atenção dos agentes privados de investimentos em atividades alternativas toda a atenção passa a ser focada na “captura” da renda disponível na economia nacional. Mesmo na ausência de uma fonte abundante de recursos naturais, comportamentos rentistas podem disseminar entre os estratos dominantes ou dirigentes na sociedade, se a regulação institucional é feita mais por via estatal do que por meio da própria sociedade. O Estado sempre constituiu um poderoso meio de redistribuição da riqueza social para os grupos que o controlam e manipulam em seu favor. Não há aqui nenhuma prevenção a priori contra o Estado, uma vez que ele é necessário mesmo para criar o laissez-faire, ou seja, lutar contra os trusts e cartéis, assegurar a competição, garantir o cumprimento dos contratos e, de forma geral, defender os direitos de propriedade. Ocorre, porém, que o Estado é também um forte indutor de redistributivismo regressivo, isto é, o recolhimento compulsório de recursos de todos os cidadãos, produtores e consumidores, e o seu “redirecionamento” segundo critérios políticos determinados. Em todos os casos de declínio conhecidos, o Estado serviu precisamente para esse tipo de redistribuição perversa dos recursos públicos, gerando o fenômeno conhecido pelos economistas como “crowding-out”, isto é, a captura da poupança privada pelo próprio Estado e pelos rentistas profissionais e sua apropriação pelo próprio Estado (e seus amigos), o que provoca deseconomias de escala e erosão do investimento produtivo. Os grupos politicamente mais bem articulados conseguem acesso aos planejadores e legisladores do orçamento público, deixando ao relento os setores menos organizados. Isso geralmente implica em concentração de renda e ausência de um mercado interno dinâmico. Os exemplos de declínio e de estagnação coincidem, justamente, com o que Veblen chamaria de “consumo conspícuo” das elites, em total indiferença em relação ao conjunto dos cidadãos. Não se pense, por fim, que tudo se faz em benefício do “grande capital monopolista” e em detrimento da “classe trabalhadora”. Sindicatos são máquinas organizadas para criar escassez de mão de obra e para produzir desemprego, atuando em perfeita sincronia nem sempre funcional, é verdade com os sindicatos de patrões, com vistas a extorquir recursos do resto da sociedade desorganizada. Viceja, nos casos típicos de declínio econômico prolongado, uma espécie de “pacto perverso”, pelo qual ambos sindicatos entram em conluio algumas vezes de forma involuntária ou até inconsciente em favor de seus ganhos respectivos, repassando os custos para o resto da sociedade. A desigualdade distributiva nem sempre é “aristocrática”...
4 - A lei passa a não ser mais respeitada pelos cidadãos ou pelos próprios agentes públicos:
 Não acatamento da lei pelos cidadãos e pelos próprios agentes públicos. A decadência, como já afirmado, nem sempre se traduz em pobreza material, ao contrário, pois sociedades decadentes são, igualmente, sistemas de relativa abundância, pelo menos para os privilegiados. Mas, a decadência verdadeira sempre implica em miséria moral, a começar por um sistemático, no começo sutil, depois disseminado, desrespeito à lei e às boas normas de convivência. Uma sociedade não começa a decair com o aumento da delinqüência comum e com a expansão da criminalidade de baixa extração, mas justamente com o desprezo pela lei por parte dos poderosos e dos próprios encarregados de manter a ordem. Sociedades patrimonialistas são naturalmente mais propensas a esse tipo de corrupção moral, como evidenciado na trajetória do império otomano, mas nem mesmo sistemas “tecnocráticos” estão imunes a esse tipo de evolução involutiva, se é possível este tipo de trajetória. O império chinês, com seu imenso corpo de mandarins bem treinados, talvez tenha conhecido itinerário semelhante, antes mesmo de o país ser invadido e humilhado pelos imperialistas ocidentais (e depois japoneses). O desrespeito à lei, ou mesmo a contravenção pura e simples por parte dos poderosos, constituem o traço mais visível do declínio moral de uma sociedade. Quando as suas elites, em especial o seu corpo dirigente, recorrem a expedientes escusos, quando não a práticas claramente criminosas, para extrair benefícios para si, pode-se constatar que a sociedade caminha célere para a sua decadência. Não se deve, porém, confundir, artifícios ilegais, ou no limite da legalidade, empregados por algumas elites econômicas como caixa dois, elisão ou evasão fiscal ou ainda pagamentos por fora como representando necessariamente sinônimo de decadência. O setor produtivo pode ser especialmente competitivo e gerencialmente capaz, apenas que penalizado por um Estado voraz, por dirigentes políticos de comportamento predatório, sendo levado a utilizar-se do recurso a esse tipo de expediente como uma forma de “defesa patrimonial”. É, aliás, o que fazem a maioria dos cidadãos que buscam evadir o fisco, uma vez que adquiriram a consciência de que os impostos pagos diretamente e os tributos recolhidos indiretamente não retornam proporcionalmente sob a forma de serviços públicos. A ilegalidade se dissemina paulatinamente na sociedade e se converte em uma "segunda natureza” do cidadão comum e do empresário: ninguém se “arrisca” a ser totalmente honesto, uma vez que isto representaria a inviabilidade do seu negócio ou a “extração compulsória” seria demais onerosa no plano das rendas individuais. Pouco a pouco, a corrupção e a contravenção se instalam em todos os poros da sociedade e ela, sem perceber, caminha rapidamente para o que chamamos de decadência.
5 - As elites se tornam autocentradas, focadas exclusivamente no seu benefício próprio:
Esta é outra manifestação do mesmo comportamento descrito acima, apenas que os meios são absolutamente legais, ainda que ilegítimos, e redundam quase sempre nos mesmos efeitos já referenciados no rentismo perverso e no redistributivismo desigual. Responsáveis políticos se ocupam não tanto de legislar para a sociedade, mas em causa própria. Os meios passam a absorver uma proporção crescente dos recursos voltados para determinados fins. Isto geralmente se dá no setor legislativo, mas pode perfeitamente ocorrer nos meios judiciários e, igualmente, em corporações de ofício que se organizam burocraticamente no âmbito do poder executivo. A representação política deixa de constituir um mandato conferido pela sociedade para o desempenho das funções que lhe são próprias para converter-se em um fim em si mesmo. Esses traços de comportamento não são exclusivos da representação política, embora eles sempre se reproduzam no estamento político. Elites rentistas, de modo geral, desenvolvem essa indiferença em relação à sociedade, cuja simbologia mais famosa, ainda que provavelmente equivocada , é historicamente representada pela frase de Maria Antonieta sobre os brioches que o povo deveria comer, no lugar do pão comum. Elites aristocráticas do ancien Régime, na França e na Rússia czarista, foram em grande medida responsáveis pela desafeição do povo em relação às suas elites, contribuindo para a derrocada dos respectivos regimes políticos ao se operar um claro divórcio entre suas concepções do mundo. O apartheid social, mais até no plano mental do que no âmbito material, costuma ser construído por minorias ativas, nem todas elas privilegiadas, mas sempre elitistas em relação à massa da sociedade. Por vezes, uma elite “subversiva” se apossa do poder e passa a exibir os mesmos traços de comportamento que o das elites antes privilegiadas, numa típica reprodução da fábula contida em Animal Farm, segundo a qual “todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”.
6 - A corrupção é disseminada nos diversos canais de intermediação dos intercâmbios sociais:
O cimento mais poderoso em todas as sociedades organizadas é a confiança não só na palavra dada, no plano individual, mas também na moeda, na observância da lei em caráter impessoal, no cumprimento dos contratos e, sobretudo, na certeza da punição em caso de ações “desviantes”. O que mantém o poder de compra de uma moeda, por exemplo, não é tanto a força absoluta de uma economia, mas a confiança de que seu valor de face não será abalado por atos arbitrários das autoridades emissoras, medidas intervencionistas que afetem sua liquidez ou alguma ameaça de confisco, mesmo indireto. A incerteza jurídica por vezes trazida pelos próprios juízes, que não se contentam em interpretar a lei, preferindo criá-la, ou colocá-la a serviço de alguma causa “social” está na origem do desrespeito aos contratos e, portanto, no aumento dos custos de transação. Setores da sociedade passam a desenvolver formas próprias, geralmente informais, de intercâmbio, que podem englobar um volume crescente de atividades. Sociedades decadentes são, geralmente, sociedades nas quais a informalidade recobre grande parte da população economicamente ativa e uma fração significativa do produto social. Um Estado “extrator” pode também ser o responsável direto pela “expulsão” do mercado formal de agentes econômicos privados que não encontram nenhuma vantagem em se colocar à margem da legalidade, mas que não conseguem se enquadrar nas regras existentes. Na verdade um cipoal de regulamentos estabelecido justamente para vigiar o cumprimento de uma legislação barroca no plano regulatório. A sociedade como um todo passa a se acostumar com a modalidade informal de se completarem as transações e, ao fim e ao cabo, os intercâmbios legais passam a cobrir uma fração cada vez menor do conjunto das trocas sociais. A sociedade de “desconfiança” afeta a todos os participantes do mercado, gerando graus crescentes de anomia e de deterioração dos costumes básicos. A sociedade em questão está “pronta” para aprofundar seu processo de decadência.
7 - Avanço dos corporatismos e particularismos, em detrimento das “causas nacionais”.
A fragmentação da representação política e social nos diversos corpos constitutivos da sociedade cria uma colcha de retalhos de difícil administração institucional. Para que grandes reformas estruturais se façam e toda sociedade requer, periodicamente, adaptação às novas condições ambientais externas e às suas próprias transformações internas, demográficas e outras, as diferentes partes da sociedade precisam estabelecer um pacto de convivência, no qual todos cedem um pouco para que as mudanças possam ser implementadas. A perseguição de objetivos particularistas por grupos sociais organizados, geralmente com vistas a se alcançar metas setoriais e exclusivas, inviabiliza qualquer “projeto nacional” digno desse nome (ainda que essa figura seja antes um mito do que uma realidade, pois “projetos” bem executados geralmente resultam da ação decisiva de uma pequena elite de “iluminados”, quando não de um líder carismático atuando como estadista). O fato é que os processos de decadência também são caracterizados pela existência de “projetos fragmentários”, condizentes com o perfil já fortemente sindicalizado dessa sociedade. Não é incomum a representação política passar da dominância de próceres cosmopolitas, da elite, mas dotados de uma visão do mundo não provinciana, para “delegados de categoria”, eleitos por um grupo de interesse restrito (de caráter sindical, setorial ou religioso). O processo legislativo se divide então em uma miríade de demandas particularistas, que esquartejam o orçamento nacional e transformam o planejamento público em uma assemblagem de partes heteróclitas. Congela-se a possibilidade de atuar nas grandes causas, pois o mercado político converte-se num bazar de compra e venda de projetos setoriais e fragmentários. Um indicador fiável dessa tendência é dada por meio de consulta a um calendário-agenda: a sociedade estará tão mais próxima da decadência quanto mais dias do ano são dedicados a homenagear categorias profissionais...
8. Grupos sociais particulares pretendem distinguir-se do conjunto da sociedade.
A chamada “identidade nacional” – um conceito difuso e freqüentemente mal interpretado – constitui um dos traços mais conspícuos da psicologia de massas. Uma sociedade dinâmica ostenta um forte sentimento de inclusividade e de identificação com os símbolos nacionais, sejam eles realidades históricas tangíveis, sejam eles simples mitos criados para fortalecer o processo de Nation building. Em qualquer hipótese, o sentimento de pertencimento – status de appartenance ou membership – a um corpo social ou humano relativamente homogêneo é um poderoso cimento da identidade nacional, o que não impede, obviamente, particularidades regionais, traços étnicos ou especificidades culturais próprias a sociedades complexas, racialmente diversas e dotadas de origens “multinacionais”. O ideal de toda sociedade integrada e orgulhosa de sê-lo é, justamente, conseguir passar do estágio simplesmente “multinacional” para o de “sociedade multirracial”, o que deveria ser o objetivo de toda comunidade inclusiva, uma vez que tal característica destrói as próprias bases de qualquer manifestação de racismo ou apartheid. A desafeição em relação à fusão dos particularismos raciais ou culturais no mainstream social e humano nacional enfraquece a noção de identidade nacional e reforça a noção artificial de aparteísmo. Este tipo de divisor precisa ser construído politicamente, uma vez que se adota como suposto básico a unidade fundamental do gênero humano. A divisão é, geralmente, obra de ativistas e militantes de uma causa que se julga legítima, cujas raízes encontram fundamentação histórica em opressões seculares, que se pretende transplantar para o presente, como forma de preservar antigas particularidades raciais, lingüísticas ou religiosas, que já estavam prontas a se fundir no poderoso molde nacional. A conformação política de uma cultura distinta da nacional reforça manifestações de racismo ao contrário, pois que as propostas são geralmente feitas para eliminar supostos focos de “racismo”. O apartheid também pode ser construído por minorias...
9. Irresponsabilidade intergeracional, nos terrenos fiscal ou ambiental, entre outros.
O desejo de preservar o status quo, ou a inconsciência quanto à constante necessidade de ajustes e adaptações às condições “ambientais”, nacionais ou internacionais, sempre cambiantes, fazem com que gerações do presente eventualmente atuem de maneira irresponsável em relação àquelas que as sucederão. Historicamente, o problema sempre esteve associado à depredação do meio ambiente e à extinção de espécies animais, alterando o equilíbrio natural e ameaçando a sustentabilidade de sistemas econômicos inteiros. Contemporaneamente, a questão tende a se revestir de características econômicas bem marcadas, tendo a ver com a trajetória avassaladora do Estado moderno e sua voracidade fiscal, não em benefício próprio, obviamente, uma vez que o Estado é uma entidade impessoal, mas em favor de grupos ou categorias dispondo de condições de acesso e de manipulação dos mecanismos de intervenção pública. Nos casos mais graves, o conjunto da sociedade pode atuar de maneira irresponsável, ao sustentar escolhas que representam uma clara preferência pelo bem-estar presente, em detrimento do amanhã. Seja nos esquemas de previdência social, seja nas instituições educacionais, ou ainda em matéria de déficits orçamentários e dívida pública, opções erradas e a visão imediatista dos responsáveis políticos, sustentados pela inconsciência da maioria, criam pesadas hipotecas de médio e longo prazo que deverão, em algum momento, ser resgatadas pelos sucessores, aqui entendidos como o conjunto da sociedade de uma ou duas gerações mais à frente. O declínio pode até não ser visível no próprio momento das decisões, mas o que se está fazendo, na verdade, é “contratar” a decadência futura.
10. Degradação ética e moral, independentemente de “progressos” técnicos.
Edward Gibbon, em seu justamente celebrado História do Declínio e Queda do Império Romano, tende a ver a decadência de Roma como o resultado da perda de “valores cívicos” por parte dos cidadãos do império, a começar pelos patrícios, que delegaram aos bárbaros tarefas que eles deveriam ter assumido diretamente. Ele também atacou a influência do cristianismo, como possível fator de afastamento do antigo espírito marcial e guerreiro, que tinha feito, no início, o sucesso da república e do império. Seja como for, a perda de objetivos claros quanto ao futuro, certa resignação em face das dificuldades do presente e a busca de prazeres imediatos em lugar da frugalidade produtiva e empreendedora podem ser sinais precursores da decadência. Curiosamente, nenhum dos exemplos históricos tidos como ilustrativos ou emblemáticos desse tipo de processo pode ser considerado um insucesso absoluto na cultura ou nas artes. O vigor da produção cultural continua a todo vapor no momento mesmo em que essas sociedades passam a enfrentar problemas na economia e na inovação. Não há um elemento singular ou único que “anuncie” a decadência, mas um conjunto de comportamentos sociais e de reações que indica forte deterioração da solidariedade social e uma crescente anomia em relação aos valores básicos da sociedade. A falta de confiança nas instituições políticas e a forte desconfiança das motivações de outros grupos sociais fazem com que líderes e liderados não mais se sintam comprometidos com o mesmo conjunto de valores, passando a ocorrer manifestações de introversão e de egoísmo que logo superam a identificação com a pátria e a nação. Em síntese, existe um “espírito” de decadência quando os setores produtivos, em especial os empresários mais politicamente ativos, se mostram resignados ante a presença avassaladora do Estado, que lhes tolhe os movimentos, impõe regras e lhes retira a substância da atividade econômica, que é o lucro e os excedentes para investir. Existe decadência quando os intelectuais e os universitários, de uma forma geral, se conformam ante o culto à ignorância exibido por certos grupos sociais ou líderes supostamente carismáticos ou “salvacionistas”. Existe decadência quando autoridades nacionais, a começar pelos encarregados da preservação da ordem jurídica e institucional, deixam de lado suas obrigações profissionais para cuidar de prosaicos interesses pessoais, pecuniários antes de tudo. Existe decadência quando o cidadão comum não vê qualquer motivo para preservar o patrimônio coletivo, demonstrando total inconsciência quanto ao dever de respeitar a herança das gerações precedentes e a necessidade de repassar às que seguirão a sua própria um ambiente melhor do que aquele recebido dos ancestrais. Em suma, os sinais materiais, ou externos, da decadência nem sempre são os que contam na avaliação dos “progressos” dessa inacreditável marcha para trás na jornada das sociedades. A insensatez quanto aos rumos da história também se manifesta, antes de tudo, por uma pura e simples inconsciência. Manuais práticos de decadência podem ser um preventivo útil na inversão da trajetória. Basta saber consultá-los.
Retrato da sociedade humana atual
Não há necessidade de ser um especialista para notar a ocorrência de tais itens na sociedade atual afinal a sequencia de escândalos no Brasil e no mundo corroboram para este sentimento nefasto e degradante. Nos últimos anos tivemos conhecimento de vários crimes financeiros cometidos pelos principais atores de Wall Street e de outros centros econômicos pelo mundo, tais fraudes financeiras causaram a crise econômica pela qual o mundo e especialmente a Europa passam. O nível de fraudes atingiu patamares inaceitáveis, especialistas ouvidos pela CBS, The New York Times e a pesquisa do grupo Gallup reforçam a teoria de que a corrupção corporativa é uma epidemia mundial, já que 2 em cada 3 adultos ao redor do globo acreditam que atividades fraudulentas estão difundidas nas corporações de seus países. O mais assustador é que a pesquisa do Gallup revela que 60% dos residentes dos Estados Unidos e do Canadá consideram a corrupção algo comum, enquanto que, em países em desenvolvimento, os percentuais são mais altos, como na África subsaariana, onde 76% sentem que a corrupção está presente nas corporações de suas nações. Pelo menos na Ásia, a percepção é contrária. Apenas 13% dos entrevistados em Cingapura e 10% na Indonésia acreditam que a corrupção seja algo presente e corriqueiro nas empresas. Nos países da antiga União Soviética, essa porcentagem varia bastante, de 28% na Geórgia a 87% em Moldova. No Brasil, o índice é de 73%. Casos como o do banqueiro ítalo-brasileiro Salvatore Cacciola estão aí para chancelar esse número. O estudo ouviu mil pessoas em cada um dos 140 países incluídos na pesquisa e acaba por concordar com a opinião do Banco Mundial de que a corrupção é um dos maiores obstáculos para o desenvolvimento social e econômico.
Não é preciso ser um gênio também para perceber que há corrupção na política, na polícia, na justiça, na administração pública, na educação, nas diversões públicas, na família, na economia, no Direito, nos medicamentos, nos discursos e argumentos pseudocientíficos, nas igrejas, nas atividades empresariais etc. O problema é que parece que os seres humanos no aprenderam ainda que estes são sintomas claros da morte de muitos impérios poderosos. Corrupção do Latim corruptio= alteração ou movimento substancial para a destruição da substância. A corrupção é o mal social maior porque destrói, anula a própria sociedade; daí sempre ter sido essencialmente um crime em toda e qualquer civilização.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche dizia em Genealogia da Moral que; “Pela maneira como uma dada sociedade encaminha seus costumes, sua moralidade, se pode saber muito acerca de sua saúde”. Enfatiza que não é o desregramento moral o fator desagregador de uma sociedade, mas pela análise da moral, dos costumes, se pode saber acerca da força de uma dada sociedade.
Principais causas da decadência do Império Romano
A fragilidade da economia, a desigualdade social, a corrupção do sistema e a politização do Exército abalaram o Império Romano. Com o fim da expansão territorial, o número de escravos diminui, afetando diretamente a produção agrícola e o comércio. O Império, que vivia basicamente dos tributos cobrados, é obrigado a emitir moeda, desencadeando um processo inflacionário. A redução do contingente militar facilita ainda mais a penetração de povos bárbaros. A crise é acentuada pela popularização do cristianismo, combatido pelos romanos por ser monoteísta e negar a escravidão e o caráter divino do imperador. Um descontentamento com os altos impostos para sustentar o grande número de funcionários e militares, necessários em território tão extenso, era preciso muito dinheiro, que era arrecadado do povo. Esse mesmo dinheiro também sustentava o luxo e a corrupção dos governantes. O quase desaparecimento da moeda romana como a produção diminuiu, faltavam produtos para vender; assim, as importações aumentaram e, em consequência, grande quantidade de moeda saía e não voltava. Desorganização política e militar: a disputa pelo poder, a corrupção e o descuido com a administração era constante. Cada exército obedecia mais a seu general do que ao imperador. Além disso, o assassinato de imperadores era frequente. Roma provocou sua própria queda permitindo a deterioração da economia, as lutas internas, a fuga de capitais, corrupção administrativa e para dar o golpe de misericórdia a invasão dos bárbaros Em 476. Já viram este filme? A queda do Império Romano do Ocidente marcou o fim da Antiguidade e o início da Idade Média. Que continuou a cometer os mesmos erros vistos até hoje.
Trecho retirado do livro: Corrupção e morte da política: Análise de uma patologia social de Orlando Lyra de Carvalho Jr 
"Pretendemos, neste artigo, analisar alguns aspectos do fenômeno da corrupção política na perspectiva daquilo que Michel Foucault chamou de práticas e relações de poder (2000, p.21), isto é, sob o ângulo da anatomia dos hábitos e costumes políticos (1994, p. 208) que alimentam a corrupção em geral. Se considerada sob esse ângulo, nota-se logo que a corrupção se caracteriza pela persistência e capacidade de renovação como fenômeno recorrente no mundo político. Tal persistência, a nosso ver, foi bem descrita pelo sempre metafórico presidente Lula: A corrupção é como petróleo, quanto mais se investiga, mais aparece”. Talvez seja por isso que a corrupção, quão novo fênix, está sempre pronta a ressurgir da poeira dos escândalos e a sobreviver intacta às vagas da denúncia. Muitos chamam isso de impunidade. Realmente, sob a perspectiva jurídico-legal, o combate à corrupção, hoje, tem muito de espetáculo e pouco de condenações, bastando para isso constatar que, até o presente momento, político algum foi condenado por corrupção pelo Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, das 245 pessoas presas em dez operações realizadas pela Polícia Federal entre 2003 e 2004, 64 foram julgadas, mas só duas continuam na cadeia. Esse fato inspirou a comparação histórica de José Murilo de Carvalho: “Getúlio saiu da vida para entrar na história”. “Hoje, os corruptos saem da história para entrar na vida”."
Conclusão
Meu pai costumava dizer “O mal do corrupto é que ele começa a roubar 10% e deixar 90% depois vira vício e rouba 90% e deixa 10% e por causa disso muitos pagam o preço da sua ganância”. Sim talvez tenhamos que admitir que não há solução para a corrupção, mas pode-se sonhar com pelo menos baixá-la para níveis “aceitáveis” ou que não comprometa tanto os serviços essenciais a uma sociedade, então assim como um predador deixa sempre condição suficiente para sua presa continuar a existir o corrupto teria que fazer o mesmo ou quem sabe, poderia ser criado um mecanismo idêntico ao utilizado contra animais que matam só pelo prazer de matar, tais animais são caçados e abatidos tal ato devolve o equilíbrio entre predador e presa. Então a solução seria localizar exatamente o foco da corrupção e eliminar ou anular seus tentáculos maiores deixando pelo menos os 90% para a maioria. Presente em todas as civilizações desde primórdios, acredito que a corrupção é um adversário feroz para o nosso futuro neste planeta pois ela desassocia forças, corrompe mente e separa em vez de unir a maioria, se vencermos tal “doença social” poderemos nos unir para o planejamento do que realmente interessa a nosso própria vida e das gerações vindouras afinal hoje os seres humanos consomem, a cada ano, um montante de recursos naturais 50% superior ao que a Terra pode produzir de forma sustentável nesse mesmo período segundo dados da ONG WWF. De acordo com um relatório "Living Planet" a Terra leva um ano e meio para repor todos os recursos que a população mundial consome a cada ano. Precisamos urgentemente cuidar do nosso planeta ou ficaremos marcados como a geração incompetente que destruiu o futuro da humanidade.

"Isto é lógico: as necessidades de muitos, sobrepujam as necessidades de poucos, ou de um." - Star Trek II.
Fontes:
Corrupção e morte da política: Análise de uma patologia social - Orlando Lyra de Carvalho Jr.

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  As ciências exatas, incluindo matemática, física e química, são frequentemente percebidas como áreas precisas e rigorosas. No entanto, essa concepção de precisão absoluta é um equívoco, e há diversas justificativas para argumentar que essas disciplinas não são tão “exatas” quanto aparentam ser. Primeiramente, muitas leis e teorias nas ciências exatas são baseadas em modelos que simplificam a realidade para torná-la mais compreensível. Esses modelos muitas vezes fazem suposições que não consideram todas as variáveis possíveis. Por exemplo, a física clássica assume que o espaço e o tempo são absolutos, o que é desconsiderado pela teoria da relatividade de Einstein. A mensuração é um elemento essencial nas ciências exatas, e todas as medidas carregam certo nível de incerteza. Por mais avançados que nossos instrumentos se tornem, sempre haverá uma margem de erro. Esse grau de incerteza pode ser insignificante em muitas situações, mas em contextos muito precisos, como na física de...

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A Teoria de Cordas também prevê uma versão mais complicada para o multiverso inflacionário. Além das inúmeras bolhas de um banho de sabão cósmico, os cálculos mostram que seria possível a formação de outros universos dentro das bolhas, cada um ocupando uma dimensão diferente. Imagem: Revista Veja - acervo digital. Conforme já descrito em postagens anteriores mais especificamente na do dia 24 de janeiro de 2012 e baseado na Matemática creio que vivemos em uma secessão de Universos finitos infinitos, apesar do nosso universo observável parecer infinito segundo estudos atuais, não é o único. O motivo pelo qual penso assim é que sabemos há quase um século que as galáxias se afastam umas das outras. Ou seja, o Universo está em expansão e a velocidade de afastamento é proporcional à sua distância, a assim chamada de “lei de Hubble” em homenagem a Edwin Hubble, que a formulou em 1929.  Porém, foi observado há algum tempo que a velocidade orbital das estrelas e do meio interest...